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Programa 11: António Zambujo - Letras

publicado em 01/03/2019

Acima, a chamada para o Programa 11.

 

Pesquisa: Maria Júlia Franco de Souza e Beatriz Macedo Souza

 

1) Terra da minha gente

        Autores: José Luis Gordo / Mário Rainho / António Zambujo

 

Ai terra da minha gente

Trigueira de solidão

A tua voz tão presente

Grita dos campos do pão

 

Mas grita como quem canta

Os silêncios do pastor

Quando a alma se agiganta

Morremos quase sem dor

 

Mas não morremos sozinhos

Nem chegamos a morrer

Que os cheiros dos teus caminhos

Nos obrigam a viver

 

A viver como quem molha

A boca seca num beijo

Ai terra que se desfolha

Ai pranto chão, alentejo!

 

2) O Sino da minha aldeia

        Autores: Fernando Pessoa / Popular (fado das horas)

 

Ó, sino da minha aldeia

Dolente na tarde calma

Cada tua badalada

Soa dentro da minha alma

 

E é tão lento o teu soar

Tão como triste da vida

Que já a primeira pancada

Tem o som de repetida

 

Por mais que me tanjas perto

Quando passo sempre errante

És para mim como um sonho

Soas-me na alma distante

 

A cada pancada tua

Vibrante no céu aberto

Sinto mais longe o passado

Sinto a saudade mais perto

 

3) Fadista louco

         Autor: Alberto Janes

 

Eu canto com os olhos bem fechados

Que o maestro dos meus fados

É quem lhes dá o condão

E assim não olho pra outros lados

Que canto de olhos fechados

Pra olhar pro coração.

 

Meu coração que é fadista de outras eras

Que sonha viver quimeras

Em loucura desabrida

Meu coração, se canto, quase me mata

Pois por cada vez que bata

Rouba um pouco a minha vida

 

Ele e eu, cá vamos sofrendo os dois

Talvez um dia, depois dele parar pouco a pouco

Talvez alguém se lembre ainda de nós

E sinta na minha voz o que sentiu este louco.

 

4) Não me dou longe de ti

       Autores: João Monge / Alfredo dos Santos

 

Não me dou longe de ti

Nem em sonhos eu consigo

Ter alguém no meio de nós

Só Deus sabe o que pedi

Para tu ficares comigo

E ouvires a sua voz

 

Só eu sei o que sofri

Quando sonhava contigo

E abria os olhos a sós

 

Sabes da minha fraqueza

Onde a faca tem dois gumes

Onde me mato por ti

É da tua natureza

Cortar-me o peito em ciúmes

E eu finjo que não morri

 

Mas é da minha tristeza

Esconder no fado os queixumes

E a cantar entristeci

 

À noite voltas de chita

Com duas flores no regaço

E tudo o que a Deus pedi

És tão minha, tão bonita

És a primeira que abraço

Aquela em que me perdi

 

Nem a minha alma acredita

Que me perco no teu passo

Não me dou longe de ti

 

Assim te quero guardar

Como se mais nada houvesse

Nem futuro, nem passado

De tanto, tanto te amar

Pedi a Deus que trouxesse

O teu corpo no meu fado

 

5) A casa fechada

Autores: João Monge / José Marques

 

Aquela casa fechada

Não tem vasos na entrada

Nem se vê luz de uma vela

Dizem que a casa está morta

Já ninguém lhe bate à porta

Nem se assoma na janela

 

Às vezes passam rapazes

Para mostrar que são capazes

Jogam pedras ao telhado

Esse lar que ninguém quer

Já foi de homem e mulher

Antes de ser condenado

 

Aquela casa fechada

Onde o sol tinha a morada

E entrava sem bater

Já foi estimada por ti

Noutros tempos que eu vivi

E não consigo esquecer

 

No dia em que tu partiste

A casa ficou tão triste

Desde aí que não a vejo

Fechei a porta da escada

Fiz uma cruz na entrada

E mandei a chave ao Tejo

 

6) Rua dos meus ciúmes

Autores: Nelson de Barros / Frederico Valério

 

Na rua dos meus ciúmes

Onde eu morei e tu moras

Vi-te passar fora de horas

Com a tua nova paixão

 

De mim não esperes queixumes

Quer seja desta ou daquela

Pois sinto só pena dela

E até lhe dou meu perdão

Na rua dos meus ciúmes

Deixei o meu coração

 

Ainda que me custe a vida

Pensarei com ar sereno

Que esse teu ombro moreno

Beijos de amor vão queimar

 

Saudades, são fé perdida

São folhas mortas ao vento

Que eu piso sem um lamento

Na tua rua, ao passar

Ainda que me custe a vida

Não hás-de ver-me chorar

 

7) Lambreta

       Autor: João Monge

 

Vem dar uma voltinha na minha lambreta

E deixa de pensar no tal Vilela

Que tem carro e barco à vela

O pai tem a mãe também

Que é tão tão sempre a preceito

Cá para mim no meu conceito

Se é tão tão e tem tem tem

Tem de ter algum defeito

 

Vem dar uma voltinha na minha lambreta

Vê só como é bonita

É vaidosa, a rodinha mais vistosa

Deixa um rasto de cometa

É baixinha mas depois

Parece feita para dois

Sem falar nos eteceteras

Que fazem de nós heróis

 

Eu sei que tem estilo gingão

Volta e meia vai ao chão quando faz de cavalinho

Mas depois passa-lhe a dor, endireita o guiador

E regressa de beicinho para o pé do seu amor

 

Vem dar uma voltinha na minha lambreta

Eu juro que eu guio devagarinho

Tu só tens de estar juntinho

Por razões de segurança

E se a estrada nos levar

Noite fora até mar

Paro na beira da esperança

Com a luzinha a alumiar

 

E deixa de pensar no tal Vilela

Que tem carro e barco à vela

O pai tem a mãe também

Que é tão tão sempre a preceito

Cá para mim no meu conceito

Se é tão tão e tem tem tem,

Tem que ter algum defeito

 

8) Flagrante

      Autores: Maria do Rosário Pedreira / António Zambujo

 

Bem te avisei, meu amor

Que não podia dar certo

E que era coisa de evitar

 

Como eu, devias supor

Que, com gente ali tão perto,

Alguém fosse reparar

 

Mas não! Fizeste beicinho

E como numa promessa,

Ficaste nua pra mim

 

Pedaço de mau caminho

Onde é que eu tinha a cabeça

Quando te disse que sim?

 

Embora tenhas jurado

Discreta permanecer

Já que não estávamos sós

 

Ouvindo na sala ao lado

Teus gemidos de prazer

Vieram saber de nós

 

Nem dei pelo que aconteceu

Mas mais veloz e mais esperta

Só te viram de raspão

 

A vergonha passei-a eu

Diante da porta aberta

Estava de calças na mão

 

9) Zorro

     Autores: João Gil / João Monge

 

Eu quero marcar um Z dentro do teu decote

Ser o teu Zorro de espada e capote

Pra te salvar à beirinha do fim

Depois, num volte face vestir os calções

Acreditar de novo nos papões

E adormecer contigo ao pé de mim

 

Eu quero ser para ti o camisola dez

Ter o Benfica todo nos meus pés

Marcar um ponto na tua atenção

Se assim faltar a festa na tua bancada

Eu faço a minha última jogada

E marco um golo com a minha mão

 

Eu quero passar contigo de braço dado

E a rua toda de olho arregalado

A perguntar como é que conseguiu

Eu puxo da humildade da minha pessoa

Digo da forma que menos magoa

“Foi fácil. Ela é que pediu!”

 

10) Barroco tropical

        Autores: José Eduardo Agualusa / Ricardo Cruz

 

O amor é inútil: luz das estrelas

A ninguém aquece ou ilumina

E se nos chama, a chama delas

Logo no céu lasso declina.

 

O amor é sem préstimo: clarão

Na tempestade, depressa se apaga

E é maior depois a escuridão,

Noite sem fim, vaga após vaga.

 

O amor a ninguém serve, e todavia

A ele regressamos, dia após dia

Cegos por seu fulgor, tontos de sede

Nos damos sem pudor em sua rede.

 

O amor é uma estação perigosa:

Rosa ocultando o espinho,

Espinho disfarçado de rosa,

A enganosa euforia do vinho.

 

11) Flintstones

       Autores: João Monge / Ricardo Cruz

 

Eu sei que cheguei tarde

Mas tenho uma explicação

Não passei na matilha

Não provei nem uma jola

Até colhi uma flor

Pra colher tua atenção

Eu juro que hoje não

Não pus o pé na argola

 

Trago marcas de batom

No casaco azul-marinho

Hoje foi dia da mãe

Passei lá para a beijar

Mas ela já não vê bem

Beijou-me o colarinho

Ela perguntou por ti

E acabei por me atrasar

 

Apanhei fila na ponte

Viste no telejornal?

Ainda te quis avisar

Mas dali não tinha rede

O destino às vezes faz

Partidas de Carnaval

Vá lá, tem pena de mim

Tenho fome e tenho sede

 

Eu sei que cheguei tarde

Estou meio-morto e com batom

Mas deixa-me explicar

O que foi essa hora morta

Não grites, por favor

Não faças subir o tom

Já está tudo a espreitar

Vá lá, Wilma, abre a porta

 

12) O tiro pela culatra

          Autor: Maria do Rosário Pedreira / Ricardo Cruz

 

Mal a vi, fui seduzido

Pelo seu corpo lança-chama

E a perna bem torneada.

E meti no meu sentido:

Se não a levo para a cama,

Não sou homem, não sou nada.

 

Pus um ar de matador

E assim, sem falinhas mansas,

Convidei-a para jantar.

Quase a vi ficar sem cor,

Mas, quando eu perdia as esperanças,

Aceitou sem hesitar.

 

Pronto para a grande conquista,

Barba feita, risca ao lado,

Sapato novo e brilhante,

Comprei rosas na florista

E cheguei adiantado

À porta do restaurante.

 

Quase me caía o queixo

E até fiquei aturdido

Com o choque da surpresa:

Ela, ao chegar, deu-me um beijo,

Apresentou-me o marido

E foi andando pra mesa.

 

13) O meu amor – Com Carminho (Até Pensei Que Fosse Minha – 2016)

      Autor: Chico Buarque

 

O meu amor tem um jeito manso que é só seu

E que me deixa louca quando me beija a boca

A minha pele toda fica arrepiada

E me beija com calma e fundo

Até minha alma se sentir beijada, ai

 

O meu amor tem um jeito manso que é só seu

Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos

Com tantos segredos lindos e indecentes

Depois brinca comigo

Ri do meu umbigo

E me crava os dentes, ai

 

As duas: Eu sou sua menina, viu?

E ele é o meu rapaz

Meu corpo é testemunha

Do bem que ele me faz

 

O meu amor tem um jeito manso que é só seu

De me deixar maluca quando me roça a nuca

E quase me machuca com a barba malfeita

E de pousar as coxas entre as minhas coxas

Quando ele se deita, ai

 

O meu amor tem um jeito manso que é só seu

De me fazer rodeios, de me beijar os seios

Me beijar o ventre e me deixar em brasa

Desfruta do meu corpo

Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

 

Eu sou sua menina, viu?

E ele é o meu rapaz

Meu corpo é testemunha

Do bem que ele me faz

 

14) Estranha forma da vida

          Autores: Amália Rodrigues / Alfredo Marceneiro

 

Foi por vontade de Deus

Que eu vivo nesta ansiedade

Que todos os ais são meus

Que é toda minha a saudade

Foi por vontade de Deus

 

Que estranha forma de vida

Tem este meu coração

Vive de vida perdida

Quem lhe daria o condão

Que estranha forma de vida

 

Coração independente

Coração que não comando

Vive perdido entre a gente

Teimosamente sangrando

Coração independente

 

Eu não te acompanho mais

Pára, deixa de bater

Se não sabes onde vais

Porque teimas em correr

Eu não te acompanho mais

 

Se não sabes onde vais

Porque teimas em correr

Eu não te acompanho mais